NENHUMA FÓRMULA PARA A VISÃO CONTEMPORÂNEA DE MUNDO: VER COM OLHOS LIVRES

A Mostra Olhos Livres, através dos anos, revela um modo de amor ao cinema que se expressa pela mistura de amplitude e imprevisibilidade. Um cinema vasto em formas de ser e ao mesmo tempo sempre diferente do que se espera dele. Quando escolhemos o nome do mítico blog do grande cineasta, crítico e programador Carlos Reichenbach, optamos por uma forma ética mais do que uma linhagem específica do cinema brasileiro. E que forma seria essa? A forma, seguindo a linha de Reichenbach, brota da frase de Oswald Andrade: “Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver com olhos livres”.  O que podemos entender dessa formulação como bússola ética, portanto: os padrões que se impõem em cada época, as modas, os tiques, tudo o que se solidifica ou estabiliza como modo precisa estar em contato com forças de contraponto.

Nosso trabalho na Mostra Tiradentes se baseia num cuidado com os trabalhos que apostam nessas forças de contraponto. Aqui não são consumidores do mesmo, mas cidadãs e cidadãos, que vão trafegar por um mar diverso de experiências, em grande parte presenciais, vivendo encontros que nos farão diferentes ao final, em ambiente de imprevisibilidade ética. Essa oposição é a base que nos guia da composição da programação e em especial na Mostra Olhos Livres.

Em termos de explosão das formas, o vencedor da mostra Olhos Livres da 27ª edição, Aquele que Viu o Abismo, de Gregorio Gananian e Negro Léo, é uma obra exemplar. Numa mistura de filme de viagem, thriller político paranoico, temos aqui um mergulho vertiginoso no fármaco-capitalismo geopolítico contemporâneo e sua relação com a expressão artística. O personagem ligado à música aqui não se chama K, mas é kafkianamente chamado de X, e a interpretação de Negro Léo lhe dá nuances inauditas, em especial pelo uso da voz e suas sutilezas. Dois artistas que estão na memória recente da Mostra Tiradentes por meio de suas obras pregressas fazem aqui um caleidoscópico quebra-cabeças em torno dessa vítima insólita das armadilhas geopolíticas andando pelas ruas da China.

Portanto, a  forma desse amor ao cinema referido aqui neste texto é a menos narcísica possível, pois depende dos seus objetos, dos filmes, emana deles.  A forma do conjunto que aqui se apresenta aprende com o que as imagens trazem, e nossa equipe compõe com eles, buscando junto a esses trabalhos apresentar um retrato afirmativo, vasto, radicalmente indefinido, como maneira de afirmar o potencial inventivo do cinema brasileiro em variadas direções, tendo em comum um gosto pelo que ainda não foi feito, pelo que não está sólido, pela lava do mundo e da existência.

Francis Vogner dos Reis
Juliano Gomes
Tatiana Carvalho Costa
Curadores

Rubens Fabricio Anzolin
Curador assistente